Pouco antes de anoitecer fui para casa, havia combinado um jantar com a família. Não fiquei surpresa ao encontrar a família Soares e a Dias também em minha casa.
Ou as pessoas se tornavam adoradores da Sandra ou a juravam de morte. Não conhecia alguém que cultivasse um sentimento intermediário a respeito dela. Todos os empregados da casa a idolatravam e bajulavam. O meu pai, mesmo depois de tantos anos de casamento, ainda a amava e não lhe negava uma vontade sequer.
Ela era mesmo uma pessoa talentosa e inteligente, além de ter sido uma modelo de sucesso da empresa do meu pai. Foi com ela que aprendi tudo o que sei sobre moda e decoração. Mas o seu egoísmo fazia ser impossível que eu a admirasse.
Precisava estar sempre cercada por elogios e não levava em consideração os desejos dos outros ao tomar qualquer decisão que fosse. Sempre fez questão de tomar as decisões por mim e de guiar os meus passos. O começo da amizade com a Raquel, o começo do namoro com o André, ter sido líder de torcida e tantas outras decisões na minha vida foram tomadas por ela.
Negar alguma de suas vontades era o mesmo que começar uma guerra e sempre parecia ainda mais insuportável do que fazer os seus desejos. Esse ano tinha começado a desobedecê-la e isso a estava deixando louca. Aquela reunião só podia ser algum tipo de punição.
Todos me cumprimentaram, inclusive o casal traidor. Precisei reforçar várias vezes na minha mente de que era tudo pelo meu pai e que logo passaria, uma noite não me mataria.
O único rosto sincero que podia encontrar naquela sala era o do meu pai. Assim que possível, dei um abraço bem apertado nele, foi quando percebi que estava com mais saudades do que pensara.
O jantar foi ainda pior do que julguei que seria.
“É claro que acho lindo o novo casal que se formou, mas sinto tanta saudade de ver o André e a Yasmin como casal... Eles eram uma gracinha juntos, ninguém pode negar.”, Sandra soube como deixar o clima ainda mais desagradável.
“Ah, mas parece que os novos pombinhos estão muito felizes juntos. O que sinto mesmo saudade é do tempo em que a Yasmin nos visitava. As nossas meninas andam tão ocupadas...”, a mãe da Raquel.
“Deveríamos marcar mais jantares como esses. Quem não tem tempo para um jantar?! Assim todos nós poderíamos nos ver com mais frequência.”, a mãe do André.
“Se a Yasmin não fosse tão rancorosa tudo seria bem mais fácil, não é!”, riu após o seu comentário.
Já tinha suportado comentários do tipo desde que cheguei e não merecia ouvir nada daquilo. Levantei-me da mesa e lamentei por fazer o meu pai passar por aquela situação.
“Yasmin, pra onde pensa que vai? Sente-se. O jantar ainda não terminou e é falta de educação sair dessa forma.”, sempre apenas preocupada com as aparências.
“Quer saber de uma coisa? Se não fosse pelo meu pai, eu nem teria vindo. Pouco me importo com o restante de vocês. Agora com ou sem a licença de vocês, estou indo.”, saí enquanto ouvia as reclamações da Sandra e comentários fingidos, sobre estarem preocupados comigo, do restante.
Já estava na frente da casa, esperando um taxi, quando o meu pai chegou.
“Minha filhinha, não saia dessa forma. Você sabe como a sua mãe é... Mas ainda assim é a sua mãe. Volta comigo...”, aquele olhar e voz afetuosa do meu pai era um golpe baixo.
“Mãe?! Quando foi que tive permissão para chamá-la assim? Se não posso chamá-la de mãe, por que devo tratá-la como tal? Me desculpa, pai... Sei que a intenção era de passarmos um tempo juntos, mas com ela é impossível. Se tiver tempo livre amanhã, podemos nos encontrar em algum outro lugar, mas pra cá... Não volto mais.”.
“Já suportei mais do que deveria. Se a Helena puder colocar o restante das minhas coisas numa mala, serei grata, mas senão puder não farei questão.”, disse enquanto lutava contra algumas lágrimas enfurecidas que tentavam descer pelo meu rosto.
Meu pai me abraçou.
“Isso parte o meu coração, filha, mas você e a sua mãe são tão teimosas... Não posso contra a vontade das duas. Só espero que você deixe pra tomar essas decisões com mais calma depois.”.
“Tudo bem, pai... Agora é melhor você entrar... Está frio aqui fora e você já não é nenhum garotão. O meu taxi já está chegando.”.
“Você e a sua mãe me tratam como algum bebezão. Não vou deixar o meu tesouro voltar de taxi. Espera um minuto que chamarei o José para te levar.”.
Já estava mais calma quando retornei à casa da Sally. Estavam todos na sala, alegres, enquanto brincavam de alguma coisa.
Só avisei que cheguei, tomei um banho e fui dormir.
Tenho sono leve e no outro dia pela manhã pude ouvir quando o celular da Sally tocou; tinha o toque de uma das músicas dos Hell’s Messengers.
“Sou eu.”, Sally respondeu ao atender.
“Só pode se for hoje? É que estou em Primavera... Meus tios, primos, o Jack e a Yasmin, por quê?... Ah... Você sempre faz tanto por mim, vou sim... Eles vão entender e ontem passei o dia todo com eles... Não sei ainda...”.
“Você vai poder me buscar? Ah, não, nem trouxe nada, já tinha roupas aqui... Hum, então é melhor eu pegar alguma coisa aqui... Te espero na estação. Até logo, querido!”. Querido? Seria o Ítalo?!
Não conhecia quem a Sally amasse mais na vida do que seus tios e primos, se ela estava deixando de passar o restante do final de semana com eles, deveria ser por alguém que importasse muito para ela... O Ítalo não se encaixava nesse perfil e não fazia ideia de quem poderia ser.
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